A Música para piano na Madeira
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O ensino do piano no Funchal antes da Academia

de Música da Madeira

Paulo Esteireiro
Centro de Investigação e Documentação do
Gabinete Coordenador de Educação Artística

 

Sendo o piano um instrumento de alguma complexidade de execução para ser aprendido de forma exclusivamente autodidacta, um dos factores preponderantes para o estabelecimento do piano e da difusão da sua prática por um elevado número de pessoas é a existência de professores, que auxiliem na aprendizagem deste instrumento musical. Assim, pretende-se fazer aqui um breve percurso sobre a aprendizagem deste instrumento na Madeira desde a primeira metade do século XIX, altura em que começou a ser difundido na madeira, até meados do século XX.

Actualmente, o conhecimento existente sobre a aprendizagem do piano antes da criação da Academia de Música da Madeira encontra-se relativamente disperso. Há um texto do aristocrata russo Platão de Waxel que nos dá algumas indicações de pianistas e mestres de piano; há ainda que destacar alguns textos de estrangeiros que visitaram a Madeira e que indicam a existência de professores de piano a pedido no hotel, bem como o custo das respectivas aulas; Luiz Peter Clode, no seu livro “Registo bio-bibliográfico de madeirenses” também apresenta algumas biografias que contêm algumas referências ao ensino do piano; o livro “50 histórias de músicos na Madeira”, recentemente publicado, também tem muitas referências importantes para o estudo da história do piano no Funchal; e, finalmente, existem alguns textos dispersos em almanaques, em anuários de turismo, nos jornais e nas revistas, que indirectamente abordam a aprendizagem do piano. A partir destas fontes, vamos tentar realizar um breve esboço cronológico dos principais professores de piano no Funchal, tentando organiza-los por gerações.

A primeira referência que temos de aulas de piano no Funchal remonta ao ano de 1827. Segundo dados da época, Carlos Guigou [y Poujol (1799-1851)], músico que se intitulava de professor do Conservatório de Paris, dava aulas de rabeca e de piano na rua da Alfândega (Carita e Mello, 1988: 35). Este compositor francês viria a estabelecer-se em 1828 em Tenerife, onde ficou até à sua morte na década de 50, tendo sido o impulsionador da primeira orquestra de Santa Cruz de Tenerife e autor de obras sinfónicas, repertório que era pouco comum na primeira metade do século XIX em Espanha (La Creación Musical en Canárias, s.d.). Possivelmente, o músico não teria no Funchal um conjunto de alunos que lhe proporcionasse uma situação económica aceitável e digna, encontrando-se referências a um concerto em sua beneficência no final de 1827 (Carita e Mello: 35), que parece indiciar que Guigou terá passado por algumas dificuldades financeiras na Madeira.

Antes de Guigou, é possível que outros músicos tenham dado aulas de piano no Funchal, embora não tenhamos conhecimento de referências escritas. Se é sabido que a ilha da Boavista em Cabo Verde já tinha um mestre de piano vindo de Lisboa em 1823 para ensinar as crianças (Bowdich, 1825: 183), é também provável que o Funchal já tivesse professores de piano desde o primeiro quartel do século XIX. Por exemplo, é possível que o músico João Fradesso Bello, discípulo de Frei José Marques – último mestre de capela do Seminário Patriarcal e autor de peças para piano –, tenha dado aulas de piano no Funchal, desde a sua chegada à Madeira em 1811. O músico veio para a Madeira, por intermédio do bispo Ataíde, tendo sido mestre de capela da Sé, organista e professor de música do seminário (Vakcel, 1948: 3). Assim, tendo em consideração que está referenciado como professor de música do pianista Ricardo Porfírio de Afonseca, que era organista e que estudou com Frei José Marques, é muito possível que tenha sido dos primeiros músicos a leccionar piano no Funchal (Vaksel, 1949: 4)

Outro músico que pode ter leccionado piano também durante o primeiro quartel do século XIX foi o mestre de capela João Pedro Correia (?-1840) (Silva e Meneses, 1984: 416), que também anunciava na comunicação social, em 1827, oferecer «lições de cantar e tocar, de uma hora ou duas» (Carita e Mello, 1988: 35). No entanto, não se sabe se as lições de tocar eram ao piano ou em outro instrumento musical.

Com rigor e certeza, o primeiro professor de piano, estabelecido no Funchal, do qual temos conhecimento objectivo de discípulos pianistas foi Ricardo Porfírio de Afonseca (1802-1858), músico que era uma figura ilustre da sociedade funchalense no segundo quartel do século XIX e que chegou a presidir ao elitista Club Funchalense. No campo musical foi, como anteriormente referido, discípulo do organista João Fradesso Bello, músico que veio para a Madeira no primeiro quartel do século XIX, não se conhecendo se teve outros mestres. Porfírio de Afonseca foi um dos músicos madeirenses pioneiros na composição de peças para piano – as suas peças são as composições para piano mais antigas que conhecemos de um autor madeirense – e sabe-se que também terá dado aulas deste instrumento, visto que é referenciado por Waxel como o primeiro mestre do pianista António José Bernes (?-1880), músico que terá estudado posteriormente em Viena e Nápoles (Vaksel, 1948: 3).

O prestígio musical de Ricardo Afonseca na sociedade funchalense era elevado, sendo reconhecido como um músico distinto – provavelmente era o instrumentista mais destacado no domínio do piano, antes do estabelecimento na Madeira de Duarte Joaquim dos Santos em meados da década de 40. Prova disso mesmo, quando foi criada a Sociedade Philarmonica em 1840, os principais propósitos declarados eram «actuar em Serões Benefecientes, festejos patrióticos e a acompanhar músicos distintos como o violinista Agostinho Robbio, o machetista Candido Drummond de Vasconcellos, o clarinetista Caetano Domingos Drolha e o pianista Ricardo Porfírio da Fonseca» (Carita e Mello, 1988: 39).

Outro professor de piano activo no Funchal desde o final da década de 30 foi António Maria Frutuoso da Silva, cantor da Sé Patriacal. O músico chegou à Madeira em 8 de Janeiro de 1837, e há notícias de que assumiu uma vida de docência na cidade do Funchal, no ensino de "piano, rabeca e cantoria" na sua residência (Pinto, 2006).

Contemporâneo de Ricardo Porfírio de Afonseca e de António Frutuoso da Silva, Duarte Joaquim dos Santos (1801-1855) terá nascido em Olivença (Pinto, 2008: 1), no ano em que esta localidade foi invadida pelos espanhóis, sendo referenciado por Platão de Waxel em 1869, como um dos «melhores mestres de piano nestes últimos tempos» na Madeira, acrescentando o autor russo que Santos foi discípulo «em Portugal do Padre Gallão e do grande Hummel, em Londres» (Vaksel, 1948: 3).

O músico passou pela primeira vez na Madeira em 1827, mas apenas terá aqui ficado um curto espaço de tempo. Antes de se estabelecer definitivamente no Funchal, provavelmente na primeira metade da década de 40, Duarte Joaquim dos Santos foi professor em Londres num Colégio feminino, desde a segunda metade da década de 20, tendo-se dirigido a esta cidade com uma carta de recomendação de João Domingos Bomtempo. Em Londres, é sabido que o músico chegou a dar aulas de piano à rainha D. Maria II, durante o período em que esta residiu na capital britânica (Pinto, 2008: 1).

Assim, quando veio para a Madeira, terra onde terá vivido mais de uma década e onde inclusivamente deixou descendência (Clode, 1952: 289), o músico já tinha experiência de ensino em Inglaterra, desconhecendo-se, no entanto, o nome de qualquer discípulo directo de Duarte Joaquim dos Santos na Madeira, o que não nos permite afirmar com certeza absoluta, que o músico tenha sido professor de piano no Funchal (1), apesar da referência de Waxel apontar nessa direcção.

O professor e compositor de maior destaque na geração seguinte terá sido António José Bernes (?-1880). Tendo estudado com Porfírio de Afonseca e posteriormente na Áustria e na Itália, o músico madeirense terá tido uma boa formação musical, visto que foi descrito por Platão de Waxel como sendo – no período em que este autor russo viveu no Funchal (1861-1869) – «o unico compositor que merece, até certo ponto, este nome» na Madeira (Vaksel, 1948: 3). O seu prestígio musical no Funchal era elevado visto que, quando o virtuoso violinista Agostinho Robio actuou no Funchal pela segunda vez, em 1852, foi acompanhado por uma orquestra dirigida por António José Bernes, e foi na altura noticiado que o músico madeirense era um «talento que muito honrava a sua Pátria» (Carita e Mello, 1988: 42).

António Bernes terá sido um professor de piano bastante requisitado, sendo o primeiro mestre do qual há indícios de que teve vários discípulos. Segundo Waxel, a «melhor discípula [de Bernes] é a Ex.m Sr.ª D. Maria Paula K Rego» (Vaksel, 1948: 3), pianista que já em meados da década de 50 se apresentou em concertos de beneficência organizados por Júlia de França Neto (Pinto, 2008: 10), o que indicia que António Bernes terá começado a leccionar pelo menos desde o início da década de 50, ou possivelmente ainda um pouco antes, tendo-se mantido em actividade no Funchal durante a década de 60, altura em que há notícias de ter participado num sarau musical organizado pela sua discípula Maria Paula Rego (em 1866). O Elucidário Madeirense refere que Bernes morreu «em Portugal por 1880», entendendo-se aqui «Portugal» como sinónimo de «Portugal continental», não se sabendo no entanto quando é que o músico se ausentou da ilha (Silva e Meneses, 1984: 398).

O facto de Waxel se referir a Maria Paula Rego como a «melhor discípula» de Bernes, e de ser também o primeiro nome de mulher madeirense que conhecemos a estudar no Funchal, indicia que o piano já fazia parte da educação feminina, de algumas classes mais abastadas, no final da década de 40. Segundo os conhecimentos que dispomos, é a partir desta década que começamos a saber os primeiros nomes de mulheres madeirenses a estudar piano, de que são exemplo Carlota Cabral e da já referida Maria Paula Rego, que participaram em 28 de Dezembro de 1854 no primeiro dos dez concertos de beneficência organizados por Júlia de França Neto (Pinto, 2008: 10).

No entanto, apesar de não termos nomes de mulheres madeirenses que tenham estudado piano antes do final da década de 40 – com excepção de Júlia França Neto, que por volta de 1840 já aprendia piano, canto e harmonia, embora no estrangeiro (Pinto, 2008: 9) –, existe uma referência em 1838, que descreve um episódio musical na Igreja de Santa Clara, em que uma jovem toca uma quadrilha num piano que se encontra junto ao altar, sendo acompanhada pela sua mãe na harpa (Taylor, 1840: 72). Esta referência faz-nos crer que o ensino do piano como parte integrante da educação feminina já deveria acontecer em alguns casos esporádicos desde a década de 30 ou mesmo da década de 20.

Qualquer que tenha sido a década em que o piano passou a fazer parte das “prendas das meninas”, o que é certo é que o piano deve ter entrado na educação feminina de forma relativamente natural. Tendo em consideração que a música já fazia parte das poucas actividades educativas das mulheres portuguesas, é muito provável que quando o piano entrou no mercado madeirense, este deve ter sido enquadrado com relativa facilidade na vida feminina. Assim é natural que em meados do século XIX já encontremos mulheres a leccionar este instrumento no Funchal.

Na geração a seguir a António José Bernes, já na década de 60, destacam-se no ensino a sua ex-aluna Maria Paula Rego, bem como dois professores de piano estrangeiros – a princesa de Waxel e o alemão George Friedrich Sattler (1838-1910?) –, que viveram longos períodos no Funchal. A princesa de Waxel, aristocrata de nacionalidade russa, viveu no Funchal entre 1861 e 1869, tendo como único discípulo referenciado o pianista José Sarmento (1842-1905), músico madeirense que viajou posteriormente pela Europa para aprofundar estudos musicais e que chegou a conviver com Liszt (Clode, 1983: 433). No entanto, apesar de só lhe conhecermos um discípulo, este foi uma figura tão destacada na música madeirense ao longo da segunda metade do século XIX, que é de realçar o papel da princesa de Waxel.

Por sua vez, o advogado germânico George Friedrich Sattler, conhecido no Funchal como Dr. Sattler, chegou à Madeira em 1864, tendo aqui vivido provavelmente até 1910, ano em que deixa de ser cônsul honorário da Alemanha para a Madeira, cargo que ocupava desde 1876. Foi um comerciante ilustre da sociedade madeirense e ocupou os cargos de vice-presidente e presidente da Associação Comercial do Funchal. Era um apaixonado pela arte musical, tendo sido professor de Música e organista da Igreja inglesa desta cidade (Clode, 1983: 434). Na década de 60, quando chegou à Madeira, o Dr. Sattler terá dado aulas de piano a um número elevado de alunos e introduzido um novo método de ensino, que segundo o russo Platão de Waxel era «infinitamente superior ao que até hoje [1869] se ensinava na Madeira» (Vaksel, 1948: 3). Curiosamente, Waxel refere que Sattler tinha muitos alunos (por volta de 1869), mas não salienta nenhum discípulo, sendo difícil de saber o real impacto do seu método inovador na época.

Finalmente, a pianista Maria Paula Rego, que já se apresentava em saraus musicais desde a década de 50, começou a ganhar protagonismo como organizadora de eventos musicais, quer na sua casa, quer no Teatro D. Maria Pia a partir de pelo menos meados da década de 60. Estes saraus era frequentados por «finas personalidades desse tempo» e eram protagonizados pela «ilustre e saudosa Senhora D. Maria Paula Rego, acercada pelas mais distintas damas funchalenses» (F. M., 1949: 284), o que parece indiciar que a pianista também teria seguidoras na arte de tocar piano.

Um dos músicos e professores de piano mais influentes na segunda metade do século XIX no Funchal foi José Sarmento (1842-1905), que começou a destacar-se nos saraus organizados por Maria Paula Rego, onde acompanhou ao piano Platão de Waxel, na interpretação de uma canção russa, decorria o ano de 1866. Após estudar com a princesa Waxel e realizado uma viagem pela Europa para melhorar os seus estudos musicais, Sarmento foi professor de piano no Funchal e convidado pelo bispo D. Manuel Agostinho Barreto para dar aulas no seminário diocesano, para ser organista e mestre de capela da sé. Promoveu ainda vários concertos de beneficência e audições reservadas na sua Quinta de Santa Luzia, para as quais convidava os músicos que passavam pela Madeira, acompanhando-os ao piano ou ao harmónio. No domínio didáctico, imprimiu ainda uns “Rudimentos Musicais”, destinados aos seus alunos, edição que não terá chegado a concluir (Clode, 1983: 433). Entre os seus alunos de piano, conhece-se apenas o seu sobrinho Alberto Artur Sarmento, mas que apenas se terá dedicado ao piano durante a sua juventude, altura em que chegou a substituir José Sarmento como organista da Sé do Funchal (Clode, 1983: 431).

Na década de 80, em alguns relatos de estrangeiros que visitaram a Madeira, é referida a possibilidade dos visitantes terem aulas de piano durante a estadia na Ilha, com professores residentes. Estes relatos revelam que o mercado do ensino do piano abrangia além dos madeirenses também os muitos turistas que aqui ficavam longas temporadas, o que deve ter permitido serviços suficientes para a profissão de professor de piano. Por exemplo, Ellen Taylor, no seu guia turístico Madeira: its Scenery, and how to see it, publicado em 1882, afirma que por 700 reais por hora é possível ter aulas de piano, um valor mais elevado que as aulas de francês, português ou de Machete, que custavam 600 reais, também por hora (Taylor, 1882: 28). A indicação de Taylor é confirmada pelo zoólogo James Johnson, que no seu livro editado poucos anos depois, em 1885, e intitulado Madeira its climate and scenery, refere ser possível ter professores de violino, piano e machete, bem como de português, francês e alemão, bastando para isso perguntar no hotel (Johnson, 1885: xxix).

Apesar de não haver nestes guias turísticos indicações dos nomes de professores activos no Funchal no último quartel do século XIX, são conhecidos além dos já citados José Sarmento e Maria Paula Rego, uma nova geração de professores, onde se destacam Maria Capitolina Crawford do Nascimento Figueira (1863-1909) e Nuno Graceliano Lino (1859-1929).

Nuno Graceliano Lino, além de professor de piano, regeu a maior parte das orquestras sacras e dos salões aristocráticos no Funchal, tendo sido igualmente um exímio violinista e organista da Sé catedral. Entre os episódios de destaque da sua vida conta-se a suite de valsas para piano intitulada Maderoise que compôs para a rainha D. Amélia aquando da sua visita ao Funchal, em 1901, e que foi tocada na recepção de gala aos reis no Teatro Funchalense. Desconhecem-se no entanto quaisquer discípulos importantes de piano, embora se saiba que o seu filho João Graceliano Lino (1885-1963) foi afinador de pianos e contrabaixista (Clode, 1983: 285) e que provavelmente um dos seus outros filhos, também chamado de Nuno Graceliano Lino, aparece citado no Anuário Turístico da Madeira de 1939-1940 como um dos professores de piano e violino que é possível contratar no Funchal (Anuário Turístico da Madeira, 1939: 116). Nuno Graceliano Lino foi um dos músicos que terá dado aulas de piano a estrangeiros. Conhecemos uns folhetos manuscritos da sua autoria intitulados de Rudiments of Music, onde Nuno Lino apresenta em inglês os princípios básicos da música, o que comprova que os professores de piano do Funchal tinham também alunos estrangeiros.

Quanto a Maria Capitolina Crawford do Nascimento Figueira, não se conhece se teve algum dos anteriores professores de piano como mestre no Funchal. Segundo Luiz Peter Clode, a pianista teve «por mestres, para seu aperfeiçoamento e interpretação, os melhores pianistas de fama internacional que naquela época, passavam pela Madeira» (Clode, 1983: 189). No que diz respeito a discípulos, a pianista teve duas alunas que se tornaram professoras respeitadas na sociedade funchalense, Olga de Freitas e Cora Cunha, que segundo relatos de 1909, ensinavam «as meninas da nossa [Funchal] primeira sociedade». Cora Cunha, por exemplo, é referida num anúncio publicitário do Colégio para raparigas “João de Deus” como professora de piano desta instituição, onde as alunas podiam ter «aulas especiais de canto, piano e dança» (Almanach, 1909: 289). Há indícios de que as duas discípulas de Maria Capitolina participavam em concertos de beneficência e deveriam participar em outros concertos públicos no Funchal, havendo pelo menos uma referência a um concerto no Teatro do tenor lírico português Joaquim Tavares, em que o cantor contou com a cooperação das duas pianistas madeirenses (Carita e Mello, 1988: 72).

No início do século XX, além das citadas professoras de piano, encontramos ainda referências a outros músicos a darem aulas deste instrumento. Em 1907, um professor estrangeiro, que se apresentava com o nome Zavala, anuncia na comunicação social que «acede a dar aulas de piano» durante o período em que reside no Funchal (Carita e Mello, 1988: 73). Por volta da mesma altura, D. Angélique de Beer Lomelino, segundo o Elucidário Madeirense, também terá dirigido no Funchal cursos particulares, de canto e piano, antes de ocupar o cargo de professora de piano do Conservatório de Lisboa, cargo que exerceu até 1921 (Silva e Meneses, 1984: 400). As aulas desta professora terão acontecido provavelmente por volta de 1911, ano em que a encontramos a realizar alguns concertos no Funchal (Carita e Mello, 1988: 84).

Nas décadas de 20 e de 30, poucos anos antes da criação da Academia de Música da Madeira, sabemos da existência de um número bastante elevado de pianistas no Funchal. Em 1921, segundo o Elucidário Madeirense, destacavam-se os seguintes pianistas na sociedade madeirense:

«Nuno Graciliano Lino, violinista e pianista […], Alfredo Lino, pianista, […] Antonio Vieira de Castro, pianista, capitão Edmundo da Conceição Lomelino, pianista e autor duma valsa intitulada Desalento, e D. Elisa Drumond Carregal, D. Maria Adelaide de Meneses, D. Floripes Gomes, D. Elisa Gorjão Caires, D. Maria Amalia Colares Mendes Rocha de Gouveia, D. Maria da Conceição de Meneses Santos Pereira, D. Angelina Pereira Freitas, D. Palmira Pereira, D. Leonor Ferraz Leça e D. Maria Helena Portugal Azevedo Ramos (Silva e Meneses, 1984: 398).

Da lista acima indicada, é provável que parte significativa desse lições de piano particulares. Por exemplo, cinco dos nomes apontados na lista do Elucidário eram igualmente apresentados quase vinte anos depois, em 1939, como professores de piano, num Anuário de Turismo dedicado à Madeira: Angelina P. Henrique de Freitas, Elisa Drummond Carregal, Maria Adelaide de Meneses, Palmira Lomelino Pereira e Nuno Graceliano Lino (2). A estes nomes, acrescentava-se ainda o do músico Gustavo Coelho (Anuário do Turismo, 1939: 116).

Em 1945, com a fundação da Academia de Música da Madeira, o ensino do piano passou a ser ministrado em regime escolar, o que terá normalmente conduzido a uma diminuição das lições domésticas deste instrumento. As primeiras professoras de piano da Academia foram Maria Campina e Lizeta Zarone, que deixaram um conjunto de discípulos de enorme valor.
Devido à influência da Academia de Música e ao surgimento do gramofone, da rádio e do cinema, a tradição com mais de um século de realização de aulas particulares de piano entrou naturalmente em declínio, apesar de ainda actualmente subsistir esporadicamente.


(1) Segundo Rui Magno Pinto, o facto de algumas das obras para 4 mãos serem datadas, ainda que cautelosamente, pela British Library (onde se encontram em depósito várias das suas obras) após a década de 1840 é indicativo de que Duarte Joaquim dos Santos pode ter continuado como professor no Funchal.

(2) Parece haver um erro, porque Nuno Graceliano Lino terá morrido dez anos antes em 1929. É possível que seja o seu filho homónimo, embora não tenhamos qualquer referência que este último tenha sido músico ou professor.

 

BIBLIOGRAFIA CITADA

Almanach de Lembranças Madeirense (1909). Lisboa: Typ Mendonça.

Anuário Turístico da Madeira (1939). Lisboa: Empresa do Anuário Comercial.

BOWDICH, Thomas Edward (1825). Excursions in Madeira and Porto Santo, During the Autumn of 1823, London, George B. Whittaker.

CARITA, Rui e MELLO, Luís de Sousa (1988). 100 Anos do Teatro Municipal Baltazar Dias, Funchal.

CLODE, Luiz Peter (1983). Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses, sécs. XIX e XX. Funchal: Caixa Económica.

CLODE, Luiz Peter (1952). Registo genealógico de famílias que passaram à Madeira. Funchal: Tipografia Comercial.

F.M. (1949). «Um Sarau Musical, em 1866, no Funchal» em Das Artes e da História da Madeira,  Suplemento ao N.º 5106 de «O Jornal» (23 de Julho de 1949).

JOHNSON, James Yate (1885). Madeira Its Climate and Scenery: a Handbook for Invalid and Other Visitors. London: Dulau & Co.

La Creación Musical en Canárias, CD-10: Sinfonías de Carlos Guigou (s.d.) em http://www.elmuseocanario.com/site/publicaciones/rals/contenitrals.php (acedido em 31/10/2008).

PINTO, Rui Magno (2008). «Duarte Joaquim dos Santos», «Júlia de França Neto», «Amélia Augusta de Azevedo» em 50 Histórias de Músicos na Madeira. Funchal: Associação de Amigos do Gabinete Coordenador de Educação Artística.

PINTO, Rui Magno (2006). Sociedade Philarmonica: um olhar sobre a prática musical da cidade do Funchal,(inédito).

SILVA, Fernando Augusto da Silva e Menezes, Carlos Azevedo (1984). Elucidário Madeirense, 3 vols. Funchal: Secretaria Regional do Turismo e Cultura.

TAYLOR, Fitch W. (1840). The Flag Ship or a Voyage around the World in the United States Frigate Columbia, New-York, Edward Stanford.

VAKSEL, P. (1948). «Alguns traços da história da música na Madeira» em Das Artes e da História da Madeira, Suplemento ao n.º 4918 de «O Jornal» (28 de Novembro de 1948).

VAKSEL, P. (1949). A Música em Portugal: Apontamentos para a História da Música em Portugal, Segunda Parte, em Das Artes e da História da Madeira, Suplemento ao n.º 5046 de «O Jornal» (8 de Maio de 1949)