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Alguns Aspectos do Quotidiano e o Lazer da

Sociedade Funchalense (1834-1945)

Alberto Vieira
CEHA-Madeira

 

O retrato da sociedade funchalense de finais do século XIX e principios da centúria seguinte ainda está por fazer, não por falta de informação, mas sim por preguiça dos estudiosos, que insistem em trilhar os caminhos conhecidos e em ignorar novas realidades e formas da sua abordagem. A informação disponível é vasta e aguarda ainda por alguém que a compile de forma paciente e a partir dela reconstitua o retrato desta sociedade urbana. A busca a partir da documentação oficial das instituições é pouca clara e uma tarefa muito morosa. Mas em contrapartida dispomos de um acervo alternativo de fontes, constituido por jornais, literatura de viagens e de memórias, que permite entrar nesta realidade. A partir da nossa pesquisa pessoal em diversos domínios da História da Madeira compilamos alguns aspectos que consideramos significativos para a construção e compreensão desse quotidiano, deixando para outros a oportunidade de um estudo mais alargado.

A primeira consideração que deixamos ao leitor é a necessidade de diferenciar os ritmos que comandam o quotidiano nos espaços urbano e rural. No meio rural tudo acontece de acordo um ritmo mais lento que se adequa aos ritmos da propria natureza e da intervenção formal do homem através do calendário religioso. As estações do ano, as actividades do campo e as festividades religiosas definem a forma de expressão do quotidiano do homem rural. Já a cidade estará sujeita a outros factores que estabelecem um compasso distinto para o quotidiano. E, o facto de o Funchal ser uma cidade portuária, esses estarão alinhados de acordo com o movimento do porto. Aqui o porto comanda a vida no burgo. A cidade vive de olhos postos na linha do horizonte. Qualquer movimento que a retina alcance gera logo um burburinho desusado nas ruas e calhau, pela antevisão do movimento de passageiros e mercadorias que trará para o porto e cidade.

O Funchal construiu-se como uma cidade portuária. As casas do burgo e as quintas e vilas da encosta estão viradas para este além da linha do horizonte através das chamadas torres avista navios e dos mirantes. Desta forma a rotina do quotidiano é quebrada constantemente pelo movimento de chegada e partida de navios. Daí que o porto domina quase por completo as espectativas dos funchalenses e das lojas comerciais que se anicham nas proximidades da alfândega e cais. São os barcos de comercio que movimentam o calhau e cabrestante com a carga e descarga de produtos que se trocam por vinho ou outras riquezas da terra. São os navios das rotas coloniais, que ligam as capitais europeias às principais cidades das colónias respectivas,com passageiros em trânsito e turistas de temporada, que trazem o movimento e animação ao comércio e ruas da cidade. São as esquadras militares que fazem aumentar as espectativas do negócio das lojas, das casas de diversão e ainda transportam a animação para as ruas com demonstração ou desfiles das suas fanfarras. São os navios de expedicções cientificas que fazem desembarcar cientistas sedentos de descobertas no campo da botânica e demais ciências e que por isso mesmo se enbrenham, no pouco tempo de estadia, pelo interior da ilha, em cavalgadas de descoberta dos segredos infindáveis da natureza. Todos eles alteram a pacatez do quotidiano do burgo e arredores. O calhau, as ruas circundantes do cais, as estradas e caminhos da ilha animam-se com a presença destes visitantes em trânsito e de curiosos. As lojas de comércio, os cafés, os restaurantes, os hotéis abrem as suas portas para recepcionar todos estes vistantes. As casas das vilas e quintas arejam os seus quartos para receber os novos hóspedes. Os carreiros e quadrilhas de cavalos andam em permanente rodopio para poder satisfazer a demanda de serviço.

Com a aproximação e atracagem de qualquer navio no porto parece que tudo muda na cidade e arredores, mas na hora da partida tudo regressa à pacatez habitual dos residentes e turistas da temporada. É nesta altura que a animação se volta para os espaços interiores das quintas e vilas. Os salões de dança, os clubes, os casinos são o meio mais usuam de quebrar a monotonia eo tédio. Tudo isto até que na linha do horizonte se vislumbre um outro navio com novidades, mais gentes e a tão desejada animação para o burgo. É assim o ritmo quotidiano de uma sociedade portuaria, como o foi a cidade do Funchal na época em causa.

A situação da Madeira na segunda metade do século XIX não foi nada fácil. Para além das dificuldades resultantes da situação económica, provocada pelas doenças que atacaram a vinha – o oídio em 1852 e a filoxera em 1872-, temos de considerar uma perda de importância do porto do Funchal em favor de outros no Atlântico. A crise atingiu toda a sociedade, gerando fomes, epidemias e uma emigração generalizada dos madeirenses. Por força destas circunstâncias muitos elementos da comunidade britânica da ilha, empenhados no comércio do vinho, emigraram rumo a outros destinos e negócios. Tardou muito tempo até que a ilha recuperasse deste choque para que a produção agrícola-industrial voltasse a ser o motor do progresso da cidade e do movimento do porto.

O turismo continuou a ser um factor de animação da sociedade madeirense e foi por força dele que a cidade se viu obrigada a apresentar uma oferta variedade de espaços de lazer e diversão. No decurso dos séculos XVIII e XIX não foi menor o protagonismo insular. As ilhas passaram de escalas de navegação e comércio a centros de apoio e laboratórios da ciência. Os cientistas cruzam-se com mercadores e seguem as rotas delineadas pelos aventureiros e descobridores desde o século XV. Juntaram-se, depois, os "turistas", que afluem às ilhas desde o século XVIII na busca de cura para a tísica pulmonar ou à descoberta da sua natureza.

A Madeira pode muito bem ser considerada uma das mais destacadas salas de visita do espaço atlântico, pois foi desde os primórdios da ocupação europeia um espaço aberto à presença quase assídua de forasteiros. A hospitalidade madeirense é uma constante da História que não se cansa de assinalar a frequência de aventureiros, marinheiros, mercadores, aristocratas, políticos, artistas, escritores, cientistas. Uns surgem apenas de vista fugaz de passagem, outros vêm ao encontro da ilha, em busca da cura para as doenças ou do tédio dos ambientes aristocráticos. A todos a ilha acolheu de braços abertos.

A Madeira cedo ganhou o epíteto de estância turística do atlântico, firmando-se como um espaço destacado da história do turismo no Ocidente. A revelação da Madeira como estância de turismo terapêutico aconteceu a partir da segunda metade do século XVII. As qualidades profiláticas do clima na cura da tuberculose cativaram a atenção de novos forasteiros. Foi a busca da cura para a tísica que propiciou aos madeirenses o convívio com poetas, escritores, políticos e aristocratas.

Dos visitantes que a ilha merecem especial atenção quatro grupos distintos: invalids (=doentes), viajantes, turistas e cientistas. Os primeiros fugiam ao Inverno europeu e encontravam na temperatura amena o alívio das maleitas. Os demais vinham atraídos pelo gosto de aventura, de novas emoções, da procura do pitoresco e do conhecimento e descobrimento dos infindáveis segredos do mundo natural. O viajante diferencia-se do turista pelo aparato e intenções que o perseguem. É um andarilho que percorre todos os recantos na ânsia de descobrir os aspectos mais pitorescos. Na bagagem constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita, do desenho e gravura regista as impressões do que vê. Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens, que se tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista das ilhas. O turista, ao invés, é pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e egoísta, guardando para si todas as impressões da viagem. O testemunho da sua presença é documentado apenas pelos registos de entrada dos vapores na alfândega, pelas notícias dos jornais diários e pelos "títulos de residência".

A Madeira foi desde então um espaço aprazível de acolhimento para a maior parte da aristocracia europeia. Bulhão Pato diz-nos que, de entre os numerosos visitantes da década de 50 do século XIX, muitos são oriundos da aristocracia de dinheiro e de sangue. Alguns rendidos pelo fascínio das suas belezas, testemunhando em inúmeros livros publicados em inglês, francês, alemão, outros pela necessidade de encontrar no clima da ilha as condições de alívio e cura para a tuberculose. Neste grupo podemos enquadrar escritores, como Júlio Dinis (1869), António Nobre (1898-1899), Bernard Shaw (1924), John dos Passos (1905, 1921, 1960) e muitos outros que deixaram testemunho escrito da passagem pela ilha. Um grupo significativo de doentes e visitantes situava-se entre a mais destacada aristocracia europeia e mesmo de algumas casas reais, como foi o caso da Rainha Adelaide de Inglaterra (1847), Princesa Dona Maria Amélia (1853), da Imperatriz Isabel da Áustria, mais conhecida por Sissi (1860-1861, 1893-1894), a imperatriz Carlota do México (1859, 1864), Alberto I, Rei da Bélgica (1909), o imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), Ferdinando I, rei da Bulgária (1936), Marash de Barodá, soberano indiano (1932), Wilhem Prinz zu Wied, ex-rei da Albânia (1932). Também, por força das circunstâncias de o Funchal ser um porto de escala das rotas europeias que ligavam à América e África, tivemos várias personalidades em passagem obrigatória no Funchal, sendo quase sempre alvo do melhor acolhimento pelas autoridades do arquipélago, que improvisavam cais de desembarque e faustosas recepções. Em alguns casos a ocorrência resultou de condições difíceis para os próprios, sendo a ilha porto de escala de caminho para o exílio, como sucedeu com Napoleão Bonaparte (1815), o imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), Fulgêncio Baptista y Zaldivar, ex-presidente de Cuba (1959). Outros mais políticos desfilaram pelo porto e ruas da cidade funchalense, como os Generais Luís Botha (1909) e Jan Christian Smuts (1921) da União Sul-Africana. E não poderemos esquecer ainda a estadia temporária de Winston Churchill (1950). De entre as autoridades portuguesas podemos assinalar a passagem do Dr. Manuel de Arriaga (1883, 1884), Dr. António José de Almeida (1922), o General Óscar Carmona (1938), o Genral Craveiro Lopes (1955), o Almirante Américo Thomas (1962, 1963, 1969). Mas, na História do século XX, as visitas mais memoráveis e mobilizadoras dos madeirenses foram sem dúvida a do Rei D. Carlos I em 1901 e a da imagem de Nossa Senhora de Fátima em 1948.

Se as embarcações de comércio e as expedições militares tinham cá escala obrigatória, mais razões assistiam à passagem quase que obrigatória de inúmeras expedições científicas. Foram inúmeras as expedições científicas europeias que escalaram o Funchal. Desde a segunda metade do século XVIII que o porto do Funchal se animou com a passagem assíduas destas expedições. De entre estes expedicionistas podemos contar com alemães (1860, 1874, 1910, 1937), americanos (1838, 1915, 1939), austríacos (1857), belgas (1897, 1911, 1922), dinamarqueses (1845, 1921), franceses (1785, 1883, 1903, 1908, 1911, 1913,1923, 1933), ingleses (1755, 1764, 1766, 1768, 1772, 1792, 1816, 1824, 1839, 1841, 1842-1846, 1901, 1902, 1910, 1914, 1921, 1922, 1929, 1934, 1937) e noruegueses (1910, 1914, 1922, 1930).

Instituições seculares, como o Museu Britânico, Linean Society, e Kew Gardens, enviaram especialistas às ilhas proceder à recolha de espécies, enriquecendo os seus herbários. Os estudos no domínio da Geologia, Botânica e Flora são resultado da presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. E por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de realçar John Ovington (1695), John Byron (1764), Joseph Banks(1768), James Cook (1768, 1772), Humboldt, John Forster (1772), John Barow (1792), Robert Scott (1910). O próprio Darwin deslocou-se às Canárias e aos Açores (1836), deixando os estudos sobre a Madeira nas mãos de um discípulo. James Cook escalou a Madeira por duas vezes em 1768 e 1772, numa réplica da viagem de circum-navegação apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a classificação e depois revelação à comunidade científica.

Anotamos aqui este movimento de forasteiros por que deles dependerá muita da animação que acontecerá na cidade. Aos acontecimentos já programados anualmente por força do calendário litúrgico (as festas do santos populares e dos oragos das freguesias, o Natal, o Carnaval e a Semana Santa) e das efemérides relacionadas com alguma data significativa, o nascimento, a morte e a aclamação dos monarcas, junta-se, por força destas circunstâncias algumas eventuais festividades ou acontecimentos que mobilizam toda a cidade e ilha. A visita do Rei D. Carlos em 1901 foi um dos acontecimentos mobilizadores da sociedade madeirense e que deu azo a multiplas manifestações populares com desfiles, espectáculos, bailes, banquetes, associados a luminárias e decorações nas principais arterias próximas do cais da cidade.

Todos, residentes e forasteiros, participavam a seu modo nestes eventos. Enquanto as manifestações públicas, desde desfiles, procissões e fanfarras de música, estavam franqueadas a todos os presentes na cidade e no meio rural que muitas vezes vinham de propósito para assitir a tais eventos, já os espectáculos, os bailes, as recepções e banquetes estavam limitados a um grupo restrito da sociedade e dos forasteiros. Um testemunho de 1819 (An Historical Sketch of the Island of Madeira) refere que eram as festividades e procissões religiosas que proporcionavam aos naturais as “maiores alegrias”.

O movimento desusado de passageiros em trânsito e turistas obrigou as autoridades a cuidar das ruas e praças da cidade. Primeiro com o calcetamento das ruas principais e depois com a melhoria dos espaços publicos que foram ganhando fama. Assim nas proximidades do cais tinhamos as Praças da Rainha(em fente ao Palácio de S. Lourenço), da Constituição (hoje parte do espaço da Restauração) e Académica (hoje Campo de Almirante Reis). O quadro completava-se com os café e restaurantes, lojas comerciais, quiosques. De acordo com um roteiro de 1910 as ruas do Aljube, e praças da Constituição e da Rainha reuniam o maior numero de cafés restaurantes e lojas de vendas de artefactos da ilha. A entrada da cidade era assim servida pelo café do Rio, Mónaco, Golden Gate e Restaurante Central, que estavam de portas abertas para receber todos os que desembarcava no cais.

À animação e movimento de rua que acontecia de forma calendarizada ou eventual e que concentrava as atenções de todos temos ainda a considerar aquela que acontecia em recintos fechados e que não permitiam a entrada de todos. Neste caso temos a considerar as representações dramáticas, os espectáculos, saraus dançantes e concertos de música.

Durante muito tempo as representações dramáticas foram públicas e abertas a todos, pois faziam-se nas igrejas, procissões religiosas. A Misericórdia do Funchal celebrava o seu dia a 1 de Julho com representações de comédias e autos retirados da Bíblia. O mesmo sucedia em muitas das igrejas e conventos da ilha. Mas como estas representações causavam algum escândalo o prelado funchalense, D. Jerónimo Barreto estabeleceu em 1578 um travão. O século XVIII, certamente fruto das reprimendas da igreja transporta esta manifestação para o exterior da igreja. A primeira terá ocorrido em 1718 no Convento de Santa Clara quando o Governador e Capitão-General João de Saldanha da Gama saíu da ilha. Foi por isso que se sentiu necessidade de criar casas para estes eventos. A primeira notícia a uma casa de representação sucede em 1776 João Rodrigues Pereira fez construir a Casa da Ópera do Funchal no local de outra que havia incendiado. Passados dez anos temos referência a dois teatros: a Comédia Velha e o Teatro Grande (1780). Já o século XIX pode ser considerado o grande momento do teatro, do circo e da ópera. Surgiram novas casas de espectáculo que mantiveram uma actividade permanente trazendo à ilha personalidades de destaque do belo canto, concertos, récitas e festas de beneficência, circo e teatro. Ao mesmo tempo surgiram várias sociedades dramáticas dedicadas a promover a representação e à construção de espaços adequados para tal: Concordia (1840), Talia (1858).

No século dezanove o Teatro Grande (criado em 1780), próximo da Fortaleza de S. Lourenço, era considerado o principal centro de diversão, por acolher as mais famosas companhias europeias, como foi o caso da do S. Carlos em 1808. A aposta das autoridades no entanto foi sendo adiada e mantinha-se a insistente reclamação da imprensa e forasteiros pela falta de uma casa de espectáculos. O Funchal era uma cidade cosmopolita que fervilhava de forasteiros de passagem ou doentes em busca da cura para a tísica. As diversões eram poucas e estes queixavam-se da falta de teatro, ópera ou outras diversões europeias que eram substituídas pelos passeios a pé ou de barco, pic-nics. Perante isto foi preocupação de vários governadores, desde José Silvestre Ribeiro, em avançar com este projecto todavia só na década de oitenta a pertinácia do Doutor João da Câmara Leme venceu a inércia das autoridades centrais. Assim em 25 de Fevereiro de 1880 constituiu-se a Companhia Edificadora do Teatro Funchalense, mas a decisão da sua construção por parte de câmara só ocorreu em 9 de Fevereiro de 1882 e passados cinco anos abria a suas portas ao espectáculo com o nome de Teatro D. Maria Pia. Com a República passou a ser chamado de Manuel de Arriaga, em 1911, mas face à recusa do mesmo ficou como o Teatro funchalense, até à sua morte em 1917. Já na década de trinta com Fernão Ornelas em Presidente da Câmara passou para Baltasar Dias, como forma de homenagem ao maior dramaturgo madeirense do século XVI.

A partir dos anos trinta o teatro passa a funcionar como uma sala regular de projecção de cinema. A arte cinematográfica havia vencido as artes dramáticas. O prelúdio disto aconteceu em 1863 com o cosmorama universal, o antecedente do animatógrafo. Note-se que a primeira apresentação do animatógrafo ocorreu aqui em 1897. A partir daqui outras experiências se seguiram com o cinema mudo que ganharam a adesão do público. Os filmes eram exibidos de mistura com espectáculos musicais. Só a partir de 1907 ocorre o lançamento do cinema em termos comerciais. A popularidade do cinema levou à construção de pavilhões e novas salas de projecção que vieram juntar-se ao Teatro Municipal e Teatro Circo. O primeiro quartel do século vinte as sessões de cinema alternam com os espectáculos de variedades, mas paulatinamente o fascínio do cinema acaba por atrair o público.

Por outro lado a animação e o lazer encontram novas formas de expressão para as elites locais. Os clubes de diversão e recreio são uma realidade a partir da década de trinta do século XIX. Entre estes destacaram-se o Clube União (1836-1879) e o Clube Funchalense (1839-1899). Este último ficou célebre pelos bailes e soirées, afirmando-se ainda como um dos principais espaços de recepção para os visitantes. Algumas das homenagens prestadas a entidades de passagem tinha lugar aqui. Assim em 1858 a Câmara do Funchal homenageou o infante D. Luís, de visita à cidade, com um baile neste clube, o mesmo sucedendo em 1885 com a passagem de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens. Aos clubes e o hotéis juntam-se os casinos, como locais privilegiados de diversão e jogo. O Casino da Quinta Vigia (1895), sobranceiro ao porto, era um dos mais visitados e conhecidos pelos saraus dançantes, que tinha lugar todos os dias.

A musica tinha uma expressão elitista nos concertos a porta fechada e nos bailes dos casinos e quintas, e outra popular através de filarmonicas que desfilam ou tocam em espaços publicos para todos. A partir da segunda metade do século a música filarmónica teve um grande incremento na Madeira. A primeira banda de música surgiu no Funchal em 1850 e ficou conhecida como a Filarmónica dos Artistas funchalenses. A segunda que temos conhecimento foi a Filarmónica Recreio União Faialense que surgiu no Faial em 1855. A década de setenta marca o incremento de novas bandas em toda a ilha: C. de Lobos (1872), Calheta (1874), S. Jorge (1877), Camacha (1873), Ribeira Brava (1875). O interesse por este tipo de música ganhou a adesão da população madeirense. Na cidade os desfiles e assaltos de Carnaval não dispensavam a sua presença, os domingos e dias festivos contavam com exibições no passeio público e as tradicionais romarias ganharam mais animação com a sua presença. Deste modo o período de finais do século XIX e princípios do seguinte é definido por um aumento do número de bandas em toda a ilha. Para este período assinalam-se mais cinco no Funchal (1898, 1913, 1920, 1923, 1933), C. de Lobos (1910), Calheta (1923), P. do Pargo (1911), Santana (1926), Arco de S. Jorge (1933), Camacha (1887, 1922), Ribeira Brava (1912), Campanário (1923).

Ao visitante de passagem ou de estadia temporária restavam ainda muitas mais diversões. As actividades desportivas são assinaladas no decurso do século XIX. Assim em 1838 John Driver dá conta de uma corrida de Cavalos no percurso da Estrada Monumental. Depois foram surgido outros desportos por influência da comunidade britânica residente. Em 1875 H. Hinton trouxe o futebol que começou a ser praticado na Achada na Camacha, em 1870 o ténis está presente no Monte e na Quinta do Palheiro Ferreiro, onde o rei D. Carlos jogou uma partida. A estas modalidades junta-se ainda o criquet e o bilhar, o mais popular de todos que se transformara numa das principais atracções dos clubes de recreio da cidade. Por fim para os mais destemidos restava ainda a caça à codorniz, coelho, galinhola e perdiz, que tanto poderia ter lugar no Santo da Serra, Caniçal, Paul da Serra, ou Porto Santo e Desertas.

A partir de 1880 uma novidade na diversão vem animar as ruas das cidades e as amplas quintas dos arredores do Funchal. Criam-se as esquadras de navegação terrestre que acabam por monopolizar o lazer dos proprietarios das principais quintas. Organizam-se esquadras militares fardadas a rigor que em momentos determinados realizam assaltos entre si.

Com esta oferta de eventos podemos perguntar-nos qual a opinião dos forasteiros sobre a forma como eram vividas as estadias de curta e longa duração. Tudo indica que esta oferta da diversão madeirense não era o suficiente para estes que se queixam do tédio permanente das estadias no Funchal, por falta de locais de diversão, pela má qualidade dos músicos e da pouca variedade dos repositórios musicais. Em 1853 Isabella de França era peremptória: Não posso dizer muito em louvor da música destes bailes, porque só há uma no Funchal e o público não fica mais bem servido do que noutro monopólio qualquer. Outra consequência é que, durante a temporada, se tocam sempre os mesmos números. São eles, como em toda a parte, uma ou outra quadrilha, por mera formalidade, e muitas polcas, valsas, mazurcas, etc. - tantas quanto possível. Outros, ainda, como Dennis Embleton em 1882, dão conta da pouca veia musical dos madeirenses. A presença no porto de uma banda de miulitares a bordo de um navio de passagem era motivo de interesse e curiosidade providenciando-se a sua participação em bailes oficiais ou organizados pelos clubes. Em 1853 a banda de um barco americano foi convidada a actuar num baile no Palácio de S. Lourenço, como testemunha Isabella de França: Na mesma sala dos quadros tocava a banda do navio americano surto no porto e cujo comodoro tivera a gentileza de a ceder para aquela ocasião. A música, de que o instrumento mais importante era o bombo, devia soar bem no mar alto mas ensurdecia muito debaixo de um tecto.


 

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